Cânions, os senhores das alturas
Se a natureza tivesse de provar a sua magnitude, provavelmente escolheria para isso a região dos cânions, no Sul do Brasil. E nos surpreenderia. Ali, onde Santa Catarina e o Rio Grande do Sul dividem a mesma paisagem, é fácil sentir que somos pequenos perto da sua força. E esse lugar não é secreto. O caminho dos cânions, presente nos mapas turísticos divulgados à exaustão, é bastante conhecido, mas ainda não é suficientemente aproveitado. Um pedacinho do Brasil que vale a pena explorar.
A viagem começa em Florianópolis. Distante cerca de 160 quilômetros da capital fica a primeira parada do roteiro, Urubici. A estrada que liga as duas cidades é asfaltada e bem sinalizada e convida o viajante a ir, aos poucos, despindo-se da correria para experimentar uma nova rotina. Cada vez mais distante do grande centro e perto da cidade com nome indígena, já é possível comprovar que a natureza tem suas razões. Urubici é pequena, com desejo de um dia ser grande. Plana e organizada, tem aproximadamente 11 mil habitantes e oferece poucas, porém, boas opções de restaurantes, bares e hospedagens. Mas o intuito não é badalar. Conhecida em Santa Catarina pelos roteiros de trekking, cavalgadas e travessias, é contornada pelo morro da Igreja e pela serra do Corvo Branco.
As atrações ainda não são os grandiosos cânions que fazem a fama da região, mas já provocam a imaginação e alimentam os pensamentos: como serão? O morro da Igreja está a 1.822 metros acima do nível do mar e nessa altura o frio é constante – mesmo quando é verão, os ventos gelados sopram e fazem os visitantes se agasalharem. Mas a baixa temperatura não compromete a paisagem. Pelo contrário. Daquela altura, em dias claros, é possível ver o oceano ao longe, banhando o país, e um pouco mais perto, avista-se a Pedra Furada, uma escultura feita pela própria natureza como se fosse uma janela.
Já a serra do Corvo Branco foi cortada por mãos e máquinas mas, nem por isso, é menos charmosa. A estrada íngreme e repleta de curvas acentuadas liga Urubici a Grão Pará e é cercada por paredões com mais de 90 metros de altura, que acolhem o asfalto como parte da paisagem e o decoram com diversos tipos de plantas e fios de cachoeiras.
Existem dois caminhos diferentes que ligam Urubici a São José dos Ausentes e Cambará do Sul, cidades no Rio Grande do Sul que são a porta de entrada para visitar os cânions.Entretanto, a estradinha de terra e cascalho é a mais interessante e chamada pelos habitantes de estrada-parque.
Antes de chegar nela, é preciso percorrer uma parte do trajeto de asfalto até Bom Jardim da Serra e, nesse ponto, vale a pena esticar até adiante para apreciar o visual da serra do Rio do Rastro. A sorte conta para não pegá-la coberta pela neblina e, se o dia estiver aberto, o desenho da estrada cortando o morro fascina o olhar, desacostumado com a ousadia da montanha sinuosa.
A viagem pela tal estradinha é longa, apesar dos poucos quilômetros (aproximadamente 70). O chão de cascalho não permite que a velocidade ultrapasse os 60 quilômetros por hora. O celular e o rádio não funcionam, mas isso pouco importa. A rota é pontuada por algumas casas com varais cheios de roupas e não se avista vivalma durante o percurso. Bois e vacas pastam tranquilamente ao entardecer e depois de tempestades rápidas, arco-íris colorem o céu.
É esse caminho, que parece inspiração para uma pintura impressionista, que leva à fazenda Monte Negro, em São José dos Ausentes. Deixando a estrada, de longe é possível ver um lago e casas amarelas que chamam a atenção. Na entrada, uma senhora recepciona os visitantes e conta que é a dona do lugar, transformado há pouco mais de uma década em pousada, ao lado do marido e dos filhos.
A parada na fazenda é obrigatória, mesmo para os urbanos de carteirinha. Nessa região isolada do Rio Grande do Sul está o cânion Monte Negro e o pico mais alto do estado, que empresta o nome do cânion e fica a 1.403 metros de altitude. Dependendo da hora que se chega, não é possível curtir a natureza, mas sim contemplar os costumes tradicionais que a família ainda mantém na fazenda. Dona Maria, dessa vez, prepara quitutes para os turistas espantarem a fome, enquanto Seu Domingos, o marido, e Anápio, um dos filhos responsáveis pelas atividades no local, contam a história da casa, que já foi cenário da minissérie A Casa das Sete Mulheres, da TV Globo, e revelam que o progresso por ali chegou de mansinho – a luz elétrica só iluminou a fazenda no fim dos anos 1990 – e não provocou grandes mudanças.
Quando o dia amanhece, cavalos a postos esperam os visitantes para passear pelos campos de cima da serra e pelo cânion. Os animais, que sabem o caminho de cor, desviam de poças, das vacas e dos bezerros que passeiam pelas coxilhas e alcançam a beira do Monte Negro pacientemente, como se fosse necessário preparar o turista para o espetáculo da natureza que o aguarda. Vislumbrar a grande fenda rasgando o morro e as quedas d’água que se formam na terra para sumir no abismo pode emocionar os viajantes mais desavisados.
A próxima parada é Cambará do Sul, alcançada pela estrada-parque. Nesse trecho são as enormes araucárias que congelam o olhar. Altíssimas, com inúmeros braços e uma barba formada por fungos da própria árvore, parecem bruxas que vigiam o caminho. A pacata Cambará do Sul, distante cerca de 50 quilômetros de São José dos Ausentes, tem uma igreja enorme na única praça e é ponto de referência para os aventureiros que querem conhecer os parques nacionais de Aparados da Serra e da Serra Geral. Áreas protegidas, eles abrigam os cânions mais famosos da região, como o Itaimbezinho, o Malacara, o Fortaleza, o Churriado e o Josafaz.
O Itaimbezinho, no Aparados da Serra, é controlado pelo Ibama. Para avistá-lo é preciso percorrer a trilha do Vértice ou a do Cotovelo durante duas a três horas de caminhada fácil. E encará-lo é fartar-se com seus mais de 720 metros de profundidade, onde lá distante é possível ver a nascente do rio do Boi.
O Fortaleza e o Malacara estão localizados no parque da Serra Geral, criado em 1992 e com 17 mil km². Explorá-los exige fôlego. A trilha do Mirante leva ao alto do Fortaleza e, pelo caminho, observar o cânion dividindo o horizonte com o litoral de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul é deslumbrante.
A trilha da Pedra do Segredo é outra opção para desbravar o Fortaleza. Se a escolha for essa, as surpresas pelo trecho são maiores. Logo encontram-se o claríssimo arroio do Segredo e a cachoeira do Tigre Preto, com mais de 200 metros de queda d’água que colorem a garganta do Fortaleza. No final do trajeto, a Pedra do Segredo recepciona os caminhantes. Esculpida pelo vento e pelas chuvas, é um bloco monolítico com mais de 30 toneladas e aproximadamente 5 metros de altura amparado por uma base de apenas 50 centímetros.
O mais fascinante, entretanto, – e não importa o cânion visitado – é perceber como essa paisagem é moldada constantemente. Os cânions do Sul são formações rochosas com mais de 180 milhões de anos e lembram pedaços de terra cortados a faca e cobertos de grama. O último destino é Praia Grande, em Santa Catarina. Atravessar as divisas dos estados em busca do abundante panorama verde é conhecer um Brasil sem divisão geográfica. O mesmo fascínio marca os dois lados da fronteira. E visitar Praia Grande é um convite para apreciar os cânions de um novo ângulo, agora por baixo.
A pequenina, apesar do nome, Praia Grande, fica no sopé do Malacara, quase entranhada na fenda, e sua população vive, basicamente, do cultivo de fumo e arroz. O turismo ainda é incipiente, mas já atrai aventureiros. Caminhar nas trilhas que cercam a cidade também ajuda a imaginar um pouco mais o passado desses lugares. Praia Grande, por exemplo, foi um entreposto comercial dos tropeiros. Na comunidade de Vila Rosa, em um amplo galpão-armazém, o senhor Inário trocava açúcar mascavo com os comerciantes que desciam o chão de terra carregados de pinhão, charque e vinho. Mas não só. Por ali ainda passavam tropas de porco e peru.
Atualmente, esses caminhos são destino apenas dos turistas e o mais procurado é a trilha do rio do Boi. Por ele, é possível explorar a vegetação e a fauna farta do interior do Itaimbezinho. Para isso, é necessário atravessar o rio diversas vezes e, na época das cheias, o trekking é suspenso e cede lugar aos passeios de bote, boia-cross e rapel. Quando isso acontece, o sossego da contemplação do alto dos cânions também é substituído por doses extras de adrenalina. Novamente, a natureza prova que é capaz de nos envolver de diversas maneiras.
SERRAS DO SUL: PARA CHEGAR LÁ
Os dias nas serras do Sul são regados aaventura. Caminhadas à beira dos cânions, cavalgadas e banhos de cachoeira tornam a viagem ainda mais prazerosa
DICAS BÁSICAS
Como chegar
A maioria das companhias aéreas voam para Florianópolis, com preços variáveis. Na capital, alugue um carro para fazer o trajeto Florianópolis-Praia Grande. As diárias são mais baratas nos pacotes e avise a locadora que a devolução do veículo será em outra cidade.
Circulando
Em Florianópolis, procure o centro de informações turísticas para conseguir mapas dos cânions e das estradas. A única rota que exige mais atenção é a estrada-parque, que liga Bom Jardim da Serra a Monte Negro e Cambará do Sul. Como por ali o celular não tem sinal e é difícil encontrar alguém para pedir informações, prefira viajar durante o dia.
Melhor época
Os meses do outono e do inverno são os melhores para visitar os cânions. Apesar de os dias serem mais frios, também são claros e ensolarados, e o risco de as chuvas atrapalharem o passeio é pouco.
NOVE MANEIRAS PARA CURTIR A REGIÃO DO CÂNIONS
1. A Serra Bela Hospedaria Rural é uma charmosa pousada em Urubici. Os quartos são decorados com capricho e o bufê do café da manhã com pães e bolos feito na cozinha do hotel – experimente o bolo de maçã com canela (diárias a partir de R$ 250, o casal).
2. No bistrô A Taberna, em Urubici, aprecie as receitas de truta, especialidade do chef Fernando Muniz. Saborosa e fumegando, impossível não abrir o apetite ao chegar à mesa (pratos a partir de R$ 50; Av. Pref. Natal Zilli, 3.330, tel. 49 3278-5121).
3. Peça a companhia de Alápio, um dos proprietários da Fazenda Monte Negro, para os passeios a cavalo. Ele tem boas histórias da região, além de curiosidades sobre as araucárias (diárias a partir de R$ 300, o casal).
4. Voltando do Morro da Igreja, em Urubici, pare no Vale dos Sonhos, à beira da estrada. Na casinha simpática, estão à venda geleias orgânicas. Se quiser almoçar por lá – o lugar é encantador –, agende com antecedência.
5. Em Praia Grande, os guias da agência Verdes Canyons são especialistas na trilha do rio do Boi. Preparados para levar o visitante para caminhar horas cânion adentro, são fundamentais companheiros de passeio.
6. O Flat Cambará é uma ótima opção de hospedagem em Cambará do Sul. Com quartos amplos e confortáveis, fica no centro da pequena cidade e bem próximo da saída que leva ao caminho dos cânions (diárias a partir de R$ 159).
7. Na agência de passeios Cânion Turismo, em Cambará do Sul, há uma réplica dos cânions feita por um artista local. Diariamente, são organizadas apresentações das lendas que rondam a região.
8. A Serra Sul Ecoturismo, de Urubici, tem um sugestivo cardápio de passeios. Além de oferecer infraestrutura adequada para as aventuras, ainda dispõe de transfer entre Florianópolis e o interior.
9. O Refúgio Pedra Afiada, em Praia Grande, tem cômodos confortáveis, e as salas comuns são ótimas para passar o finzinho do dia, degustando o café servido antes de o sol se pôr (diárias a partir de R$ 270, o casal).
Fonte: http://viagemecia.uol.com.br/brasil/serras_do_sul.html