PARATY: PRESERVADA E PERFEITINHA
No verão ou no inverno, uma esticada até o litoral sul do Rio de Janeiro é um convite à cultura, à história, à boa mesa e a cenários fotogênicos
Na primeira noite, namorei aquele quadro só de longe. No dia seguinte, voltei, ensaiei, fiz rodeios. Até que entrei e perguntei o preço. É, não ia ser dessa vez. Rubington, o atendente, ainda filosofou um pouco sobre a tela, que retratava uma cidade iluminada. Mas foi só saber que eu era jornalista que ele logo trocou a faceta de vendedor pela de colega. E aí ele me contou, bem rápido, a sua história: abandonou o jornalismo em Porto Alegre em troca dos salários mais sedutores da publicidade e, anos depois, largou tudo para ajudar no ateliê do irmão, Brasil Goulart, em Paraty. Esperto ele…
Esta era minha terceira vez na cidade – o suficiente para, cumpridos os roteiros turísticos de praxe, começar a me embrenhar pelas ruas do centro histórico atrás de segredinhos como aquele ateliê. Para mim, cada viagem desvenda uma novidade, porque Paraty, histórica e preservada, não para no tempo. Seus clássicos são igualmente deliciosos – e podem ser repetidos sem chance de enjoar. Se em terra é o centro histórico do século 16 que chama a atenção com o calçamento de pedra e o casario colonial, em mar destacam-se as 60 ilhas próximas, donas de uma exuberante Mata Atlântica. Tudo isso bem no meio do caminho entre São Paulo e Rio de Janeiro, a mais ou menos 250 quilômetros de cada capital.
Paraty é um dos poucos destinos litorâneos que soube fazer sua fama para além do verão e do Carnaval de rua, atraindo paulistas, fluminenses e gringos. Em julho, pleno inverno, acontece a Flip, feira que, há 10 anos, reúne escritores e amantes da literatura vindos do mundo inteiro para palestras e oficinas. Aproveitando os últimos respiros invernais, agosto é o mês do Festival da Pinga, que celebra a tradição de 400 anos dos alambiques locais, como o Maria Izabel e o Paratiense, com degustação e venda de cachaças nas ruas. Festivais de cinema, jazz, fotografia e arte mantêm o movimento ao longo do ano.
Em qualquer época, o charme das pousadas de Paraty é irretocável. Na minha última viagem, escolhi a tradicional Pousada do Sandi, um belíssimo casarão do século 18, adornado com mobília colorida, cartazes de filmes e um badalado restaurante italiano, o Pippo. Recentemente, a Pousada Literária tem dado o que falar ao brindar os hóspedes de suas 22 acomodações com serviços personalizados, desde o horário do café da manhã até os livros disponíveis nas estantes. Para mais sossego, a pedida é deixar o centro histórico rumo à serra, onde repousa a Pousada Bromélias, com dez bangalôs de madeira em meio à mata e próxima a uma cachoeira.
A pé por aí
À noite, os arredores se enchem de gente que, depois de um dia de praia, chega sedenta pela dupla “chope gelado com petiscos”. Essa dobradinha é a promessa bem cumprida da Casa Coupê, que, desde 1952, revive o bom e velho clima de botequim carioca com lulas empanadas, picanha na chapa, batatas rústicas, pasteizinhos de camarão e bolinhos de feijoada. O bar pertence à mesma família que comanda o Restaurante do Hiltinho, um clássico paratiense. A casa do centro tem seu valor, mas é o almoço na Ilha do Algodão que sai à frente, com pratadas e caldeiradas de lula, lagosta e camarão-casadinho, prato símbolo da cidade: dois camarões grandes amarrados, fritos e recheados com farofa bem picante.
Pois, sim, a gastronomia é outro fator que fez a fama de Paraty. Andar pelo centro histórico é sinônimo de ser arrebatado pelos aromas de um sem-fim de restaurantes, que exibem cardápios na porta como iscas de transeuntes. O Banana da Terra garantiu seu lugar como representante incontestável da boa mesa regional, servindo receitas internacionais de pescados e frutos do mar com toques caiçaras, como o peixe em crosta de pimenta com risoto e pupunha e o polvo ao molho de vinho sobre purê de batatas. No Thai Brasil, uma chef alemã prepara especialidades tailandesas, como o camarão com aspargos e arroz de jasmim. Já no badalado Paraty 33, sai a alta gastronomia, voltam as porções, embaladas por drinques e música ao vivo – depois das 23h, a casa vira festa concorrida com DJ.
Tanto quanto a gastronomia, a arte é mais um assunto sério em Paraty. Ela está em toda parte – seja nos ateliês, nas galerias ou mesmo nas ruas, que servem de oficinas a céu aberto para artesãos, pintores e escultores. Aqueles quadros de Brasil Goulart me chamaram a atenção pelos traços e pelas cores, assim como os trabalhos de Aécio Sarti, que pinta em lonas de caminhão. No ateliê Mangaba, Kiki Gamberale e Renata del Campo fazem esculturas de papel e arame, enquanto Lucio Cruzz trabalha com papel marché.
Sair para ver o mar
Para aproveitar o quesito “praia”, Paraty demanda carro ou, melhor ainda, barco. Do cais do porto saem os passeios de escuna ou saveiro, com quatro ou cinco paradas em praias e ilhas – uma pequena, porém rica, amostra da Baía de Paraty. As próprias pousadas providenciam as reservas, o que garante que o barco seja certificado pela associação local de barqueiros. Os roteiros são basicamente os mesmos, das 10h às 17h, passando pelas ilhas da Pescaria e Comprida e pelas praias Vermelha e da Lula. Há opção de almoço a bordo e aluguel de snorkel para mergulhar.
A escuna é a aposta certeira do turista de primeira viagem – nos repetecos, vale a pena contratar um barco que faça roteiros personalizados. Assim se chega ao Saco do Mamanguá, cenário das núpcias do casal vampiro da saga Crepúculo. Trata-se de um braço de mar com 12 quilômetros de extensão que adentra o continente, ladeado por duas cadeias de montanhas – formando assim o único fiorde do Brasil, salpicado por cerca de 30 praias paz-e-amor e pousadinhas rústicas, como o Refúgio Mamanguá e o Mamanguá Ecolodge.
A 20 minutos de carro, a praia de São Gonçalo, ao norte de Paraty, seria um bom lugar para estender a canga e passar o dia, não fossem os barcos que, saindo dali, levam até a Ilha do Pelado – esse sim o meu refúgio preferido em Paraty (e, em janeiro, de mais um punhado de gente). A praia principal é pequena e o mar, morno, tem um degradê de verdes. O Bar da Bete, única opção, cobra consumação mínima de R$ 100, então há quem prefira levar seus próprios comes e bebes.
Ao sul de Paraty, uma estradinha tortuosa leva a Trindade, alçada à fama na década de 1970 pelos hippies que ali montaram suas comunidades. Depois, vieram os aventureiros em busca das trilhas que revelam praias selvagens e intocadas (vide a Praia do Sono, alcançada com 1h30 de caminhada). Mesmo com o desenvolvimento turístico, os ares de vila praiana continuam a soprar, especialmente nos restaurantes caseiros de comida caiçara e nos campings praticamente à beira-mar. A praia mais popular é a do Meio, servida por quiosques e mesas pé-na-areia. Depois de um riacho e uma trilha de meia hora (ou cinco minutos de barco), está a Praia do Cachadaço, famosa pelas piscinas naturais que se formam na maré baixa e transbordam de gente no verão.
Eu, que não sou muito dada a esforços físicos, passei uma tarde em meio às trilhas de Trindade para, no fim do dia, sentir aquele cansaço gostoso que só uma cerveja no centro histórico seria capaz de aplacar. E é por essas e outras experiências que eu soube, já na minha primeira vez em Paraty, que um dia vou fazer como Rubington, o jornalista-vendedor de quadros: me aposentar e levar minhas trouxinhas todas para lá. Por enquanto, fico satisfeita se, pelo menos um fim de semana a cada verão, eu puder recarregar as baterias em Paraty. Da próxima vez, quem sabe, eu ponho em prática o namoro com aquele quadro do ateliê de Brasil Goulart e o trago na mala para decorar nossa casa nova.
Fonte: http://www.revistaviajar.com.br/artigos/ler/849/paraty-preservada-e-perfeitinha#.U9qyavldVTY