Sentados na areia branca de uma praia praticamente deserta, a alguns metros da mata fechada, dividíamos a atenção entre as ondas fortes e uma família de bugios que pulavam de galho em galho. Meu filho de três anos, James, andava a passos hesitantes e ameaçava derrubar dois cocos pesados nas nossas cabeças -, mas eu estava perdido em devaneios, ouvindo os chamados guturais dos macacos.
Estávamos em Santa Teresa, uma cidadezinha praiana sossegada no sul da Península Nicoya, na Costa Rica. Apesar de uma década de crescimento, a beleza natural da região permanece intacta, apesar de não ser mais o paraíso escondido dos surfistas que já foi.
Na estrada de terra que passa por ela – e que dá a impressão de ser simplesmente uma picada no meio da selva – hoje há pousadas ecológicas, retiros de ioga e restaurantes badalados que servem produtos orgânicos. Mel Gibson e Gisele Bündchen têm casa na região, que inclui também a cidade vizinha de Mal Pais, além de Playa Carmen e Playa Hermosa, todas ligadas por uma trilha que começa perto do mar. Uma verdadeira multidão de jovens do mundo todo que chegou para passar férias, mas nunca voltou para casa, transformou o lugar em um paraíso de “desertores” da cidade grande.
Na minha primeira caminhada de volta a Florblanca, um resort ecológico acolhedor de frente para o mar – com cômodos internos e externos, banheiros ao ar livre e chuveiros que pareciam fazer parte da selva à sua volta, a 1,6 km do centro – senti o problema local, literalmente. Caminhões, picapes e carros passavam deixando os pedestres a comer poeira. Alguns deles, além de vários ciclistas e passageiros dos carros usavam máscaras cirúrgicas, bandanas ou lenços amarrados sobre o nariz e a boca para se proteger do pó, o mesmo que cobria todas as frutas e legumes do mercadinho próximo. Se na estação seca ele é inevitável, na das chuvas a estrada vira um suflê de lama.
Depois de anos de promessas vazias e atrasos, a prefeitura começou as preliminares de pavimentação do trecho de 4,8 km que atravessa a cidade em junho, anunciando que outra seção de 6,4 km seria feita posteriormente -, mas muitos moradores duvidam que o serviço seja feito de forma adequada.
“A gente só acredita vendo”, disse Jennifer Harter, fotógrafa costarriquenha que foi criada perto de San José e se mudou para Santa Teresa em 2002. “Eles ‘pavimentaram’ a estrada há uns quatro ou cinco anos, mas fizeram um serviço tão porco que três meses depois já estava toda esburacada e, ao fim de seis meses, completamente destruída. Meio difícil acreditar.”
Na verdade, eles estão divididos em relação à pavimentação da estrada. A maior parte daqueles com que falei é a favor por causa da poeira, responsável pelos problemas respiratórios de muita gente; mas há quem acredite que a iniciativa pode atrair o excesso de desenvolvimento que atormenta outras cidadezinhas, como Jaco e Tamarindo – que teve suas ruas e estradas pavimentadas em 2004 e agora é conhecida pejorativamente como “Tamagringo” por aqueles que evitam grandes resorts e pacotes de férias.
“Os viajantes não querem os lugares que adoram mudar”, explica Daniel Fesenmaier, professor da Escola de Turismo e Gerenciamento de Hospitalidade da Universidade Temple, “mas isso não é uma atitude realista. Os pioneiros, aqueles que descobrem determinado local, podem até ir embora porque querem continuar em busca de novidades, mas outro grupo virá em seguida e constitui um mercado enorme.”
A noção de que a pequena Santa Teresa, que não possui nenhuma estrutura com mais de dois andares, possa se transformar em uma armadilha turística me pareceu um tanto exagerada durante a longa jornada que fizemos, no fim de fevereiro, saindo da área hiperdesenvolvida do Parque Nacional Manuel Antonio. O hidrofólio que vai de Jaco a Montezuma não estava operando por causa dos ventos fortes, então seguimos pelo caminho mais bonito (e cansativo): duas horas de carro até Puntarenas, seguidas da espera pela balsa que levaria uma hora para chegar a Paquera, mais outra hora de carro até Santa Teresa, sendo que os últimos 12 km seriam em estrada de terra. (É possível pegar o voo de San José a Tambor, a meia hora de Santa Teresa, mas não há como evitar a bendita rodovia que leva à cidade.)
Se tem uma coisa que eu descobri nos meus 40 anos de viagens é que as praias intocadas e desertas não ficam à beira da intermunicipal. No caso de Santa Teresa o desvio vale mais que a pena, pois seu isolamento e o clima de “última fronteira” fazem parte do seu charme.
Nunca foi fácil chegar lá. A região de Guanacaste fez parte, durante um curto período, da Nicarágua, que tinha acabado de se tornar independente, mas os moradores preferiram a separação e união à Costa Rica em 1824. A região de Mal Pais-Santa Teresa era basicamente uma grande fazenda de gado até o fim da Segunda Guerra Mundial. Os surfistas começaram a chegar nos anos 70 e 80, o fornecimento de energia e telefonia, aos poucos, nos anos 90, e o crescimento deslanchou na última década.
Enquanto bebericava minha vitamina de manga de manhã, no Florblanca, a garçonete, uma canadense de Vancouver que mora em Santa Teresa, contou que dormia em uma barraca na praia quando descobriu a cidade, há treze anos, que havia apenas uma meia dúzia de mochileiros intrépidos e zero eletricidade no extremo norte da cidade. Quando perguntei se aprovava a pavimentação da estrada, ouvi um sonoro “não”. “Queremos manter o lugar como ele é”, disse ela.
O assunto é mais complexo para Cody Dillon, uma nativa de Missouri que se mudou para Santa Teresa há oito anos e hoje administra o Florblanca: por um lado, a estrada de asfalto seria boa para os negócios – e melhor ainda para seu namorado, que sofre com as infecções pulmonares por casa da poeira -, mas ela preferia que a prefeitura cumprisse um pedido feito na última reunião comunitária e usasse cana-de-açúcar derretida, ou outro tipo de emulsão, para controlar o pó. “Se asfaltar a estrada, o lugar vai perder o charme rústico”, explica ela.
Stephane Geneau, outro canadense de Vancouver que é dono do Product C, misto de peixaria e restaurante, quer ver a estrada pavimentada. “Dá muito bem para asfaltar a estrada e manter o lugar verde e selvagem. Basta colocar lombadas e fazer valer a lei de zoneamento que não permite construções a menos de 50 metros da linha da maré alta. Não vai haver prédios altos porque não se pode construir acima da linha das copas das árvores.”
Durante a maior parte da minha estadia em Santa Teresa fiquei na praia, evitando a estrada de terra, mas no último dia, fiz uma caminhada ao Santuário Curu com um guia chamado Pabrö Sanchez, dono de uma agência de turismo de aventura chamada Sapoa Adventures. Seu entusiasmo pelas aves exóticas e animais do parque era contagiante: “Olha lá, aquele pica-pau!”, ou “Ali, ali, olha, um quati!”, mas, no caminho de volta para a cidade, ele revelou o seu temor de que o desenvolvimento rápido possa acabar com o ar selvagem. Sanchez quer a estrada asfaltada, mas insiste que o governo primeiro tem que estabelecer um plano para desenvolver a região com responsabilidade.
“Realisticamente, esse planejamento nunca vai existir. Se pavimentarem a estrada no contexto atual, sem ordem, o desenvolvimento só vai acelerar e arruinar esse lugar.” Harter, a fotógrafa, disse que quando se mudou para a região para surfar, em 2002, era contra o asfaltamento porque queria que o lugar permanecesse selvagem e intocado, mas agora mudou de opinião.
“Há dez anos não tinha muita gente morando por aqui; a copa das árvores chegava até a cobrir a estrada e os macacos viviam atravessando de lá para cá, mas isso se perdeu quando ela foi alargada. Hoje acho que tem que ser pavimentada para acabar com os problemas de saúde e segurança, principalmente no que diz respeito às crianças.”
É fácil entender por que o possível desenvolvimento da área desperta tantas paixões. À parte das ondas constantes, as praias paradisíacas, a Reserva Natural de Cabo Blanco ali ao lado e uma variedade de restaurantes finos, o lugar possui uma qualidade viciante, intangível, quase impossível de definir. A maioria daqueles que se mudou para a cidade, vindos da Europa, das Américas do Norte e do Sul, de Israel é de idealistas, gente desencantada com o estilo de vida carreirista ou a falta de perspectiva resultante da recessão global. Em Santa Teresa, essas pessoas vivem uma vida mais simples, mais próxima à natureza.
Como todo mundo que visita a cidade, sonho em deixar tudo para trás e me juntar à legião de expatriados que se estabelecem na Costa Rica em busca da “pura vida”, como se diz ali. Se tivesse descoberto o lugar quando era mais novo quando ainda não tinha família, talvez tivesse ficado. Quando chegou a hora inevitável da partida, eu ainda não sabia se Santa Teresa ia conseguir asfaltar a estrada e manter seu apelo, mas a conversa que tive com Geneau, depois de sair da cidade, me convenceu de que tudo vai ficar muito bem, obrigado.
“Muitos dos expatriados tentam se apegar a esse sonho, sabe como é, acham que são um tipo de Robinson Crusoé”, disse ele, referindo-se à oposição à pavimentação da estrada. “Muita gente se mudou para cá por causa disso, mas esse sonho não vai virar pesadelo só por causa de uma estrada asfaltada.”
Fonte: http://viagem.uol.com.br/guia/costa-rica/costa-rica/roteiros/point-dos-surfistas-na-costa-rica-santa-teresa-se-mantem-simples-e-rustica/index.htm